quarta-feira, 7 de março de 2007

Classificados

- 'Tou?!
Não era propriamente esta a resposta que ela esperava ouvir.
Aliás, não sabia bem o que esperava ouvir depois de marcar aquele número arrancado dos classificados do Correio da Manhã; nem tão pouco por que raio foi abrir o jornal nas páginas dos classificados.
- Estou, bom dia. Estou a falar com...? - perguntou a medo, meio desconcertada com o tom esganiçado daquela voz que lhe respondia com um seco "'Tou?!"
- Com o Marco: quem fala? - ouviu do outro lado.
Decididamente, era melhor acabar já com aquela parvoíce e desligar o telefone: não seria concerteza um Marco, com um anúncio nos classificados do Correio da Manhã, entre Solanges e Vanessas, 22 anos, meigas, esculturais, cultas - sorriu ao lembrar-se da anedota: "Com tantos atributos, como é que fui virar puta?" - que lhe iria resolver os problemas que de repente vieram perturbar a pacatez da sua vidinha.
- Peço desculpa, deve ter sido engano. Estava a ligar por causa de um anúncio, mas creio que me devo ter enganado no número. - respondeu decidida a terminar a conversa.
De facto, a forma como atendeu o telefone, aquela voz esganiçada - com um qualquer toque que lhe agradou, agora que pensava nisso - tinha-a convencido de que o que estava a fazer era uma autêntica estupidez.
- Ah... não, não: não há engano nenhum - respondeu a voz, parecendo acordar de uma qualquer letargia em que estivesse mergulhada - Está a falar com Marco Vicente: em que posso ajudá-la?
Depois de uns primeiros momentos para se recompor, o seu interlocutor passara agora a um registo profissional, substituindo a secura das expressões pelo tom melado do vendedor que encontrou potencial vítima.
Meio confundida, sem saber se havia de desligar ou prolongar um pouco mais a conversa, lá balbuciou:
- Sabe, sr. Vicente? Vi o seu anúncio no jornal, e pensei se os seus serviços não me poderão ajudar no esclarecimento de um assunto pessoal que me vem preocupando.
- Concerteza que sim - respondeu Marco, agora já transmitindo a segurança de quem tem a situação controlada - não tenho qualquer dúvida de que lhe poderei ser útil, seja qual for a natureza do seu problema. Quer me dar algumas luzes? A propósito: penso que poderia começar por me dizer com quem estou a falar, já que ainda não me disse o seu nome, menina...

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