terça-feira, 20 de março de 2007

A MINHA TERRA

- Parece que foi ontem que, ao que dizem, o meu Pai me "abandonava em cima de um monte de areia" enquanto bebia, descansado, com os amigos, a imperial de fim de tarde;
- parece que ainda ontem brincávamos, de "sol a sol", p'las ruas desta TERRA que me viu crescer, brincadeiras só interrompidas pelos gritos das nossas Mães chamando para a pausa das refeições;
- parece que foi ontem que, a pé, fazíamos o trajecto de ida e volta para a escola, sem necessidade de que nos fossem levar e buscar: e que, já "grandes", com 10 anos, partissemos para a aventura do ciclo - meio bilhete p'ra Sacavém - autónomos e à nossa sorte - sorte a nossa, sorte a dos nossos Pais;
- parece que foi ontem que, nos dias amenos de primavera, nas quentes noites de verão, os casais passeavam serenamente pelas ruas até altas horas da noite, enquanto nós prolongávamos a brincadeira como se não houvesse amanhã;
- e os cafés e colectividades se mantinham abertos até às mesmas horas;
- parece que, ainda ontem, eu conhecia pelo nome todos os habitantes da MINHA TERRA e todos me conheciam a mim.
Não vai realmente há muito tempo que, quando nos perguntavam: - "Onde moras?" - recebíamos, perante a resposta, rostos de interrogação, como se tivesse dito Marte em vez do nome da MINHA TERRA, plantada 3 kms a norte de Lisboa.
Valha-nos isso, pelo menos: hoje toda a gente conhece a MINHA TERRA! Basta dizer: "- Moro na Apelação." - e a resposta sai, invariavelmente, célere: "- Foda-se! Moras na Apelação?"
No passado fim de semana, uma vez mais, em todas as televisões, notícia de abertura dos telejornais, reportagens em directo, entrevistas ao Presidente da Junta, ao dono de um café que nunca mais o vai conseguir vender - porque, ali, ninguém lho compra - à senhora que "coitados dos rapazes, só incendiaram um carro e partiram mais 4 à pedrada: os polícias é que entraram à bruta", e aos miúdos que já hoje se juntam para roubar outros miúdos da sua idade, em formação para, em breve, substituirem os que hoje colocam a MINHA TERRA nas parangonas dos jornais.
Porque, há uma dezena de anos, contra todas as regras que anos e anos de experiência em realojamentos - não só em Portugal como no estrangeiro (vide França) - o poder político, aqueles que, supostamente, elegemos para servir e defender com competência os interesses de todos os cidadãos, pegaram num "Gueto" e plantaram-no, inteirinho, na MINHA TERRA, em vez de aproveitar a ocasião para reintegrar esta gente, em grupos pequenos espalhados por vários locais;
porque era necessário requalificar com rapidez as áreas envolventes da EXPO 98;
porque este poder político, politicamente correcto com as minorias étnicas - cuja imagem explora e "acarinha" nos períodos eleitorais - resolve desta forma estes problemas para que estes problemas não sejam colocados às portas das suas casas.
E a revolta instala-se porque, hoje, na MINHA TERRA:
- as crianças têm medo de ir à escola porque são agredidas;
- os velhos - e já não são só os velhos - são assaltados em pleno dia, privados dos já parcos recursos que as suas reformas permitem;
- a propriedade privada é frequentemente vandalizada;
- os cafés fecham cada vez mais próximo do entardecer;
- as pessoas evitam sair depois das 21h00;
- a utilização dos transportes públicos é como a Roleta Russa: a viagem vai ser tranquila ou temos de novo desacatos?
Não sei o que, neste momento, será possível fazer para restituir um pouco da tranquilidade e da qualidade de vida que me habituei a ter às portas de Lisboa:
Sei que, aos meus filhos, já não vai ser possível crescer como eu cresci na MINHA TERRA, apenas preocupados em ser crianças, com tudo o que isso significa.
Azar o deles, azar o meu...

5 comentários:

W. V. D. disse...

ah pois é.
todos verificam isto, mas ninguém faz nada para alterar

Hayashi disse...

Por si so, os meios nao justificam os fins. Contudo, os fins justificam que devemos agir e as gentes devem voltar a unir-se como em tempos se uniram. Esquecam os desacatos na ponte 25 de Abril e lembrem-se do buzinao expontaneo. Recordem-se de Timor e os lencos brancos em todo o pais. So precisamos de um motivo, de uma direccao, alguem que nos guie. Portugal nao pode unir-se apenas em torno da seleccao de futebol. Temos de agir. Perdoa o comentario extenso, escreveste um dos melhores textos que tive o privilegio de ler e que nem os pretensos criticos/analistas de circunstancia das estacoes televisivas tem o discernimento de falar amiude e nao apenas quando um gang invade uma praia. Tambem tenho saudades da minha terra mas nao dessa. Quando voltar a minha terra quero ajudar a mudar! Abraco Grande!

Anónimo disse...

Realmente esta terra de antigamente faz lembrar a minha kerida terrinha no tempo em que eu era criança, sim ate pq as terrinhas do litoral-interior começam a levar com problemas destes embora em mt mt mt menor dimensao

Anónimo disse...

Sem dúvida alguma um dos melhores textos que li até hoje... quais jornalistas quais que! excusado sera dizer que tudo o que escreves-te mexe comigo, pelo simples facto de ter ainda vivido (nao tanto como tu) com paz e sossego naquela a que eu também designo MINHA TERRA. Ainda me lembro de quando andava de bicicleta pelas ruas sem medos, de quando fechavamos a loja, jantavamos e ficavamos ate tarde sentados nos cafes. ou melhor, quando ia a pe ate casa...
mas mais pena tenho ainda dos realujados terem levado gente da minha idade, gente da minha terra , para a gandulagem, para maus vicios...

beijinhos
Cátia Ferreira

Cordeiro disse...

Para quem te conhece um pouco (penso ser um dos previligiados) estás ao mais alto nível e este TEU Espaço, vulgo Blog, é bem a prova disso - Texto Monumental. A Minha Terra está também com problemas identificos.
E quem não se queixa??
É o pais que temos!!
Mas temos OTA,TGV e Apito Dourado para andarmos entretidos, amanhã já ninguém se lembra do Caso Moderna ou Casa Pia e virão outros para ocupar tantos outros espaços.
Os problemas do "povinho" que se lixem...
Um Grande Abraço