- Parece que foi ontem que, ao que dizem, o meu Pai me "abandonava em cima de um monte de areia" enquanto bebia, descansado, com os amigos, a imperial de fim de tarde;
- parece que ainda ontem brincávamos, de "sol a sol", p'las ruas desta TERRA que me viu crescer, brincadeiras só interrompidas pelos gritos das nossas Mães chamando para a pausa das refeições;
- parece que foi ontem que, a pé, fazíamos o trajecto de ida e volta para a escola, sem necessidade de que nos fossem levar e buscar: e que, já "grandes", com 10 anos, partissemos para a aventura do ciclo - meio bilhete p'ra Sacavém - autónomos e à nossa sorte - sorte a nossa, sorte a dos nossos Pais;
- parece que foi ontem que, nos dias amenos de primavera, nas quentes noites de verão, os casais passeavam serenamente pelas ruas até altas horas da noite, enquanto nós prolongávamos a brincadeira como se não houvesse amanhã;
- e os cafés e colectividades se mantinham abertos até às mesmas horas;
- parece que, ainda ontem, eu conhecia pelo nome todos os habitantes da MINHA TERRA e todos me conheciam a mim.
Não vai realmente há muito tempo que, quando nos perguntavam: - "Onde moras?" - recebíamos, perante a resposta, rostos de interrogação, como se tivesse dito Marte em vez do nome da MINHA TERRA, plantada 3 kms a norte de Lisboa.
Valha-nos isso, pelo menos: hoje toda a gente conhece a MINHA TERRA! Basta dizer: "- Moro na Apelação." - e a resposta sai, invariavelmente, célere: "- Foda-se! Moras na Apelação?"
No passado fim de semana, uma vez mais, em todas as televisões, notícia de abertura dos telejornais, reportagens em directo, entrevistas ao Presidente da Junta, ao dono de um café que nunca mais o vai conseguir vender - porque, ali, ninguém lho compra - à senhora que "coitados dos rapazes, só incendiaram um carro e partiram mais 4 à pedrada: os polícias é que entraram à bruta", e aos miúdos que já hoje se juntam para roubar outros miúdos da sua idade, em formação para, em breve, substituirem os que hoje colocam a MINHA TERRA nas parangonas dos jornais.
Porque, há uma dezena de anos, contra todas as regras que anos e anos de experiência em realojamentos - não só em Portugal como no estrangeiro (vide França) - o poder político, aqueles que, supostamente, elegemos para servir e defender com competência os interesses de todos os cidadãos, pegaram num "Gueto" e plantaram-no, inteirinho, na MINHA TERRA, em vez de aproveitar a ocasião para reintegrar esta gente, em grupos pequenos espalhados por vários locais;
porque era necessário requalificar com rapidez as áreas envolventes da EXPO 98;
porque este poder político, politicamente correcto com as minorias étnicas - cuja imagem explora e "acarinha" nos períodos eleitorais - resolve desta forma estes problemas para que estes problemas não sejam colocados às portas das suas casas.
E a revolta instala-se porque, hoje, na MINHA TERRA:
- as crianças têm medo de ir à escola porque são agredidas;
- os velhos - e já não são só os velhos - são assaltados em pleno dia, privados dos já parcos recursos que as suas reformas permitem;
- a propriedade privada é frequentemente vandalizada;
- os cafés fecham cada vez mais próximo do entardecer;
- as pessoas evitam sair depois das 21h00;
- a utilização dos transportes públicos é como a Roleta Russa: a viagem vai ser tranquila ou temos de novo desacatos?
Não sei o que, neste momento, será possível fazer para restituir um pouco da tranquilidade e da qualidade de vida que me habituei a ter às portas de Lisboa:
Sei que, aos meus filhos, já não vai ser possível crescer como eu cresci na MINHA TERRA, apenas preocupados em ser crianças, com tudo o que isso significa.
Azar o deles, azar o meu...